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Nas ondas do rádio, um país (Editora Casa da Palavra)


O Globo
João Pimentel
30.01.2008

O sociólogo Ronaldo Conde Aguiar, professor de cultura da Universidade Nacional de Brasília (UNB), passou a infância embalado, assim como milhões de brasileiros, pela trilha sonora, pelas novelas e pelo humor da Rádio Nacional. Apaixonado pelo tema, talvez na onda de almanaques sobre as décadas de 1970 e 80, ele resolveu levar para as páginas de um livro verbetes, jingles e textos sobre a emissora. Mas o “Almanaque da Rádio Nacional” (Casa da Palavra) é bem mais do que uma mera reunião de curiosidades de uma era, simplesmente porque a época em questão, os anos 1930, 40 e 50, foi uma das mais ricas da cultura brasileira, e porque a Rádio Nacional foi responsável pela unidade e pela integração de um país ainda fragmentado.
— Percebi que não adiantava escrever um trabalho sociológico. Pretendi mostrar como era realmente esse fenômeno da comunicação, lembrar daquela gente talentosa que criou padrões de hábito, de cultura. E o que mais me doeu no processo foi perceber quanta gente brilhante desapareceu da nossa memória. Precisei reunir fragmentos para escrever verbetes de figuras de proa da rádio como Renato Murce e Paulo Roberto — conta o autor
Primeira transmissão para a TV saiu da rádio

Por falar em memória, o livro traz informações precisas sobre fatos apagados da História. No livro, em depoimento dado à jornalista Cecília Giannetti, a cantora Adelaide Chiozzo, que por 30 anos trabalhou na rádio, lembra que protagonizou, em 1949, a primeira transmissão televisiva no Brasil. Um ano depois, em 18 de setembro de 1950, a Tupi era inaugurada, tornando-se a primeira emissora com uma programação regular. — Fui a primeira a ser televisionada mesmo. Uma televisão francesa estava fazendo uns testes por aqui e decidiu usar os estúdios da Nacional. O Victor Costa, diretor da rádio, disse: “Você vai ser a primeira a se apresentar. Veste aquela roupa de gaúcha e canta uma música do Sul. Você vai fazer televisão. Fiquei com medo, mas me arrumei e fui. Colocaram um aparelho na Casa Mena, que vendia instrumentos musicais. Foi uma confusão de gente querendo ver o que era aquilo. Mas a imagem devia ser só chuvisco. Nas 181 páginas do livro, a Rádio Nacional é revista, dentro do possível, em cada detalhe. Estão ali verbetes de seus principais atores, cantores, músicos, jingles, frases e bordões que marcaram época e fizeram o escritor Rubem Braga afirmar: “O povo brasileiro fala a língua da Rádio Nacional”. O Repórter Esso, novelas como “O direito de nascer”, as transmissões de futebol e os programas esportivos surgem, página a página, como uma canção nova apresentada por Francisco Alves, ou como mais um round do duelo entre Emilinha Borba e Marlene.

Ao pôr no ar, em 1940, a novela “Em busca da felicidade”, do cubano Leandro Blanco, a emissora dava início a outra paixão nacional. E olha que a interpretação era apenas pela voz. Mas a escola de atores e humoristas de rádio estava criada, tanto que, na transição para a televisão, não apenas boa parte do elenco migrou para a então poderosa TV Tupi, mas programas inteiros como “Balança mas não cai”, “PRK-30”, “Piadas do Manduca” e até programas de calouros.— Os atores de rádio estavam acostumados a gravar lendo os textos, em um lugar sem figurino, sem cenário, sem imagem, numa sala comum. Então, nos primeiros programas de televisão, era comum você ver o ator tentando ler o que estava em um papel grudado na mesa. Mas logo a Tupi começou a criar seus ídolos, como Sônia Kepper, uma atriz que morreu cedo em um acidente de carro. Ela foi a primeira mártir da televisão. Mas antes da popularização da TV, em 1944, a Nacional, segundo o Ibope, detinha 70% da audiência contra apenas 10% da segunda colocada, a Rádio Tupi. O “Anuário do rádio” de 1950 mostrava que todos os cantores prediletos do público pertenciam ao cast da emissora. Eram eles, por ordem, Orlando Silva, Francisco Alves, Sílvio Caldas, Emilinha Borba, Vicente Celestino e Carlos Galhardo.

Para se ter uma idéia da grandeza do elenco, pertenciam à rádio os apresentadores César Ladeira e César de Alencar, os atores Mário Lago, Paulo Gracindo, Brandão Filho (que mais tarde levariam para a televisão o ótimo quadro “Primo pobre, primo rico”); os músicos Radamés Gnattali e Paulo Tapajós; o locutor do “Repórter Esso” Heron Domingues; o locutor esportivo Jorge Curi e outros.

Livro traz CD com programas e “jingles"

Os primeiros passos são descritos com fidelidade. Da escolha do prédio do jornal “A Noite”, que ainda está de pé, na Praça Mauá, até a inauguração, no dia 12 de setembro de 1936. Entre as curiosidades do almanaque, que vem com um CD com trechos de programas, esquetes e jingles, estão a história da criação dos programas de auditório, onde as fãs — ou macacas de auditório, como se tornaram conhecidas — podiam se aproximar de seus ídolos; verbetes generosos, dentro do possível em um almanaque, de todas as estrelas. A turbulenta relação de Herivelto Martins e Dalva de Oliveira, com direito a letras dele sobre o casamento-conflito, também é contada, assim como a história do “Repórter Esso” e o suicídio de Getúlio Vargas, o presidente que viu na rádio o instrumento de que precisava para o seu projeto de integração e de formação de uma identidade nacional. — Somos o que somos, muito mais para o bem do que para o mal, por causa da Rádio Nacional. No momento em que só o Rio era divulgado para o Brasil, um gênio como Almirante cria um programa, “Instantâneos sonoros do Brasil”, com grupos gaúchos, nordestinos, mineiros. A pena é que esquecemos hoje que integração se faz com cultura e educação. E isso a Rádio Nacional soube fazer — diz Aguiar.

(publicado originalmente em 29/12/07).

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